27.8.08

No bus, na Ilha

É ultrabrega, mas não consigo evitar visitinhas rápidas (ou nem tão rápidas assim) para conhecer shopping center novo. Coisa de provinciano, de colono, estancieiro impressionado com a cidade grande? Claaaaro que sim, ainda que o prazer de bater perna por longos corredores e namorar inúmeras vitrines continue garantido, a despeito do meu senso de ridículo. No último findi fui passear em terras florianopolitanas em visita ao querido amigo Johnny boy, que aniversaria esta semana (26 anos, hein? Tô quase lá).
Após uma agitadíssima noitada regada a champagne (hahahahah), no Confraria, com direito a uma deliciosa boquinha madrugal no Bob´s, decidimos passar o dia seguinte num shopping novinho em folha no querido bairro Santa Mônica (Lora, você não vai mais reconhecê-lo). Após horrores de compras desenfreadas (uau...) decidimos tomar o rumo de casa usando o velho e bom transporte público. Foi aí que tudo começou.
Meu amigo e eu escolhemos os últimos bancos antes da porta de saída, aqueles mais altos. Enquanto nos acomodávamos com nossas centenas de sacolas, fomos surpreendidos por alguém que cantava uma musiquinha bastante da safada, em princípio apenas murmurando, logo a seguir elevando o volume, tal e qual um radinho de pilha, até chamar a atenção de toda a galera do coletivo:

"Quero seu amor!
Quero seu carinho!
A onda agora é dançar agarradinho!
Que gostosinho, nesse passo miudinho,
com jeitinho safadinho
Eu só gosto com você..."

Neste momento o cantorzinho dá uma requebra fenomenal de quadril e passa a gritar a plenos pulmões:

"No xenhemnhém da sanfona
no plim plim plim da viola
Bate na palma da mão
Remexe, requebra, rebola!"

Já rolando no chão e em lágrimas, Johnny boy and me notamos que enquanto todos se divertiam com o maluquete fã de Daniel, um sujeitinho muito do mal-encarado nos observava de canto de olho, sorrateiro, e com uma mão estrategicamente escondida dentro do casaco, como se segurasse algo junto ao peito. "Um revólver", pensei.
Lembrei do dia anterior, quando, ao circular pelas ruas da cidade, deparei-me com um Notícias do Dia, na banca, que alarmava: "Aumentam casos de assalto em ônibus na região". A região era aquela mesma, Floripa. Achei melhor deixar minha bolsa debaixo do banco, com sorte o ladrão me deixaria em paz e eu teria dinheiro para pagar minha passagem de volta.
Breve confusão mental: enquanto nos encantávamos com o menino cantor/dançarino/despudorado, tremíamos na base com os olhares cada vez mais ameaçadores e frequentes vindos do homem-mal-com-a-mão-sob-o-casaco. Pensamos em sair dali, mas o artista rodoviário bloqueava o caminho enquanto gemia e requebrava gostosinho até o chão.
De repente, o homem mal se levanta. "Chegou a hora", imaginei, em pânico. Nos dá uma última olhada e ruma em direção à porta de saída do meio. Desce. Suspiramos, felizes e imensamente aliviados.

Aí o cantor-dançarino engraçadinho puxa um trezoitão e anuncia um assalto.

20.8.08

Laura Palmer

A moça, do interior, era a mais recatada das criaturas. Namorado firme, noivado em vista, planos de casório, de casinha com cerca branca, três filhotes gordos e rosados, galinhas, uma vaca holandesa e um leitãozinho no chiqueiro, a ser sacrificado no Natal.

De repente, mudou - curiosamente, pouco depois de conhecer sua nova roommate, meio amalucadinha. Pintou os cabelos, trocou o guarda-roupa, passou a usar maquiagem. Num dia, roubou um delineador, nas Americanas. Até hoje não sabe como conseguiu escapar do constrangimento de ter a bolsa revistada por um segurança.

Em outra ocasião, aceitou dar um rolê com seus colegas de trabalho. Foi quando fumou seu primeiro baseado. O primeiro de muitos. Largou o namorado e tornou-se figurinha fácil na noite daquela ilha dos desejos permitidos. Transformou-se em uma exímia predadora. Nas festas, escolhia o espécime masculino que mais lhe chamava a atenção e atacava, despudoradamente. Sempre com sucesso.

A roommate maluquete elaborou uma lista com os nomes (às vezes, apenas um apelido) das vítimas já abatidas. O rol tornou-se quilométrico.

Insaciável, a moça ganhou o apelido de Laura Palmer, alusão à obra de David Lynch, que traz a história de uma belíssima jovem, um anjo em família e um demônio de saia e cinta-liga no submundo.

Mas esta Laura Palmer tupiniquim não teria o triste fim de sua alterego. Esperta, decidiu que sempre tomaria as rédeas de qualquer situação. Quase sempre dava certo. Como no dia em que saiu com Girso, um de seus affaires de ocasião. "Só sabia pegar o rumo pra São José, um motel pocilga que tinha por lá. Eu odiava, ele podia pagar coisa melhor, mas sempre pedia o quarto mais simples. Neste dia eu reclamei. Disse: ai, a gente só pega este quarto. Ele se coçou, pediu um melhor, tinha banheira com hidro e um teto de vidro", conta a perversa.

Mas a mágoa pelo pouco caso de seu partner quanto às instalações onde fariam amor já estava instalada em seu coraçãozinho pequeno-burguês. Odiou-o naquele momento, e continuou odiando-o enquanto se requebrava sobre ele, na cama de lençóis baratos.

"Dei uma surra. O coitado saiu até tonto. Era verão, estava quente, ele decidiu se jogar na banheira. Com as pernas bambas, escorregou e bateu a testa na quina da banheira".

Enquanto improvisava um curativo, Laura Palmer se perdia em devaneios: "Bem feito", pensou, contorcendo-se em risadinhas internas.

Inconstâncias da moda e o biquíni de lamê

Jovens na faixa dos 20 anos talvez desconheçam as delícias de se travar amizade com mulheres com mais de 40, do tipo que já viveu um ou dois casamentos, que tem filhos na universidade, que já viajou o mundo, já trabalhou, já foi dona-de-casa e hoje não sabe bem se arruma um amante ou se faz uma (outra) pós-graduação. Mulheres com mais de 40 são terríveis, espertas, descoladas, maliciosas e de língua afiada. Praticamente como eu, só que com muito mais bagagem. (Quase) todos os dias, pela manhã, tenho encontro marcado com algumas mulheres com mais de 40 (vamos chamá-las de MCMDQ). Enquanto suamos na esteira, falamos um pouquinho de tudo: olimpíadas, cinema, pessoas, jornalismo e até moda, assunto, aliás, que já se tornou recorrente.
Uma dessas MCMDQ expôs, dia desses, seu maior pesadelo: mulheres que não fazem distinção quanto ao frio e ao calor. Tipos, a moça comprou botas novas para um inverno que prometia ser de gelar os ossos. Na semana passada, pescou na lojinha favorita o lançamento primavera-verão que vai bombar: uma singela frente-única axadrezada. Na primeira balada possível, o look já está pronto: botões até o joelho, insinuando neve na Sibéria, e braços, ombros e nuca à mostra, numa vibe Caribe - esta desproporção térmica também me irrita profundamente.

Irrita quase tanto quanto biquíni metalizado. Todo mundo sabe que o Brasil produz os trajes de banho mais pimpões do mundo, lindos, de fato. Mas as americanas (principalmente as que freqüentam a telinha do E! Entertainment) parecem não saber disso. "Pudicas", cobrem suas derriéres com calçolões que constrangeriam até minha santa avozinha.
Em contrapartida, mal escondem seus vastos melões em cortininhas minúsculas de janela basculante.
E o material destes biquínis, meu Deus? Lamê? Prata ofuscante ou dourado reluzente, a idéia é shine like a star nas areias de Miami. Mas tem gosto pra tudo neste mundo, mesmo...


- "Tô bunitãmmmm?"

18.8.08

Mansão Rosa em obras (ou O Cadastramento)

Há alguns dias fui visitar a querida Madame Louise - não sem antes reservar um horário em sua atribuladíssima agenda. Quando cheguei aos portões da Mansão Rosa, surpresa: operários da construção civil, sarados, suados e em trajes sumários, desfilavam carregando vigas, ripas de madeira, galões de tinta e brochas, para cima e para baixo. Madame está a reformar suas tão grã-finas dependências. Minha antiga suíte, por exemplo, encontra-se no momento soterrada com as prateleiras de mogno da biblioteca real de Madame, com todas as enciclopédias, as edições de luxo de primorosas obras literárias e as revistas Caras, as quais Madame tanto preza, delicadamente encadernadas em couro, tudo displicentemente espalhado por todos os cantos.

Madame, sempre muito ativa, contratou a organizadora de ambientes Susana Rock para auxiliá-la em mais esta grandiosa obra. "Agora Susana está dando um acabamento original na mobília. Por exemplo, nas peças da sala de jantar ela optou por fazer uma pata, ficou lindo", comemorou Madame, referindo-se à técnica de decoração feita com sobreposição de tintas (olhei no google).

A reforma, que promete não sair nada barata, foi motivo de questionamento junto aos três rebentos de Madame, princesa Déia e duques Crébinho e Édinho. Édinho, o primogênito, chegou a interpelar a nobre senhora para apurar as verdadeiras razões para tão radical mudança. "Mas meu filho, tu sabes que esta reforma vai servir para aumentar meu matrimônio", tranquilizou Madame, querendo garantir um futuro tranqüilo para si mesma e para seus descendentes (como se precisasse se preocupar com assuntos tão mundanos).

Meus olhos, até então fixados nos operários, se voltam para o backyard de Louise (ou quintal, para os menos poliglotas). O que vejo, para minha surpresa absoluta? Um pequeno cãozinho amarelo, atado a uma corrente de ouro 18 quilates. "Mas do que se trata isso?", quis saber. "Ah", sorriu Madame, matreira, "Esta é a Lala, adquirimos a bichinha numa petshop da cidade. Já veio até cadastrada", observou a amante dos animais, lembrando do importante método que impede cadelinhas de emprenharem por aí, à toa. Enquanto eu me divertia com Lala, um pequenino inseto, vulgarmente conhecido como pulga, saltou de seu focinho para minha camiseta...

E mais uma deliciosa tarde se passou na Mansão Rosa (agora, em obras).

9.8.08

Topicozinhos básicos

* Faltou luz no prédio (e na cidade toda) e o vizinho, adolescente, bateu timidamente à porta pedindo emprestado um palito de fósforo. Cedi-lhe a embalagem inteira, uma caixa miúda de 1,80 por 1,10m, da Fiat Lux, adquirida por marido quando de nossa primeira mudança, ainda no Universitário. Educadamente, o menino agradece e promete voltar em breve, para devolver. Com a falta de luz, o fogão da família, elétrico, não tinha condições de ser acionado e a hora do almoço já se anunciava. Já faz uma semana e a caixa de fósforos que nos acompanha desde o início de nosso matrimônio informal ainda não deu as caras. Confesso ter certo pudor de subir e reivindicar meus palitos de madeira, acho que a iniciativa deveria partir de quem pediu o treco. Ainda correria o risco de ser taxada de "unha de fome" porque quis de volta uma caixa de fósforos. A MINHA caixa de fósforos. Chocada com tanta falta de respeito e de consideração.

* Fiquei contente porque, no bailão de formatura de Suzanita, percebi que as meninas universitárias de Shark estão finalmente deixando de (apenas) imprimir brega. Muita gente bem vestidinha, roupinhas descoladas, calçados decentes. Mas, hahá, para a exceção virar regra, ainda falta muito pano pra manga (e para todo o resto do corpo). Por exemplo, a gata da academia que, apesar de contar com formas relativamente enxutas, ostenta uma barriguíssima de quem já pariu e que ela insiste em exibir usando o legging na linha do púbis e a camisetinha embaixo dos mamilos. Se acha boazuda, mas, fala sério, é constrangedor.
Aí eu flagro conversinha entre ela e uma amiguinha, combinando de ir pra buátchi, mais tarde: "Acho que vou com aquele legging todo recortado, de cima a baixo". Ansiei. Aí ela complementa: "E com a plataforma de madeira". Céus, não poderia ser mais típico.

* Quem-matou-Thaís revival: há alguns anos eu tenho o privilégio de não assistir a absolutamente nada da programação da TV aberta (só o Jornal do Almoço ou só quando visito Manékia girl, a globalizada). Mas o que é retratado na telinha da Vênus Platinada não se restringe ao horário da novela das oito, vai muito além: pessoas discutem rumos de personagens na mesa do mar, no ambiente de trabalho, no jantar em família; revistas trazem previsões assustadoras para os próximos capítulos; blogs (até os bacanas) elaboram teorias das mais absurdinhas sobre os possíveis desfechos dos folhetins.
Se há alguns anos me senti totalmente deslocada com a polêmica em torno da personagem de Alessandra Negrini, Thaís, em uma novela (da qual sinceramente não lembro o nome), agora o drama volta na forma de Donatela e Zé Bob (e outros nomens bizarros). Ainda assim, e mesmo em período de entressafra dos enlatados americanos, não retrocedo. Detesto Cláudia Raia, canastrona que só ela.

2.8.08

O Perseguidor

Tínhamos 16 anos e o mundo conspirava contra nós. Entre os planos de morar juntas na Ilha da Magia, para cursar a faculdade, e o de instalar bombas em pontos estratégicos de Shark, passávamos nossos dias num conversê dos mais produtivos. Nosso hobbie nas inúmeras horas vagas era o de bater perna pelo Centro da cidade e traçar perfis absurdos de pessoas que só conhecíamos de vista, pelo ir e vir da minilópole.
Havia o John Lennon, o Queixo de Tamanco, a Gorda, o Cowboy, o Anão, um outro Anão (que nos infernizava em sala de aula), o Cabeça de Massinha, o Homem dos Dentes de Diamante, os pedrês e as faxis.
E havia ele, um rapaz de aparência pouco notável, olhar levemente psicótico, discos de vinil debaixo do braço e camiseta de banda.
O encontro, praticamente diário, se dava na esquina da Tubalcain com a Patrício Lima e seguia por esta avenida até a rótula do Angeloni (esta é só para quem manja a geografia de Shark).
Como ocorria com frequência, concluí que o rapaz seria o namorado ideal para minha fiel escudeira, Lora W. Para rebater, Lora percebeu que ele cairia como uma luva em meus braços. Até hoje não sabemos quem ele realmente desejava, mas isso é irrelevante.
O moço cravava seus olhos desvairados em nós, nós o encarávamos, falsamente sedutoras, tremendamente sacanas, enquanto nos cutucávamos mutuamente, aos beliscões, dado o impacto de cada um desses encontros explosivos.
Belo dia e nos despedíamos, eu e Lô, bem ali no trevinho bendito: eu seguiria pela Expedicionário e, se desse sorte, pegaria carona na CGzona power de Tio David. Ela seguiria em frente, pela P.L., com destino ao Luluca S., seu endereço residencial, à época.
Enquanto tricotávamos, nosso apaixonado anônimo ia e vinha, vinis do Guns n´Roses no suvacão, sorrizinho besta no cantinho dos lábios.
Lá pela quinta passagem do moço, soa um alarme: este rapaz está nos perseguindo, constatei.
Pânico na Zona Sul. Lora W, sempre chorosinha, verteu copiosas lágrimas de terror. Eu já rolava no chão, de tanto riso e desespero. E o moço firme, indo e vindo, colado no Use Your Illusion.
Nos desvencilhamos, às pressas, após uma brecha dada pelo rapaz, correndo e torcendo, cada uma por si, para não sermos "a eleita" e, consequentemente, "a perseguida".
Depois deste episódio dei-lhe um nome: Perseguidor. Ou Per, para não darmos muita bandeira. Per tornou-se personagem célebre em nosso pacato dia-a-dia e em nossos agitadíssimos fins de semana. Fosse no Barbata, no 7 ou na Sssssíder, em Capiva Under, lá estava ele, sempre solito, a nos observar.
O tempo passou. Quase dez anos depois, voltei a Shark, a procura de um rumo na vida. Fui convidada a passar aquele verão na casa de praia da Madrinha. Sem $ nem para o bus, fiquei na espera de que uma alma caridosa me tirasse daquele calor infernal da cidade, em pleno janeiro. Madrinha mexeu os pauzinhos e arrumou um esquema: "Os filhos da fulana vão passar por aí pra te dar carona". Feito.
Quem abre a porta do carro é uma moça simpática e prestativa. Entro no veículo meio desajeitada, de microssaia jeans (tava calor, pessoas!), e cumprimento o motorista pelo espelho retrovisor.
Com um meneio de cabeça, ele retribui o cumprimento, vi pelos olhos. Aqueles olhos.
Em um segundo quase dez anos passaram voando por mim. Per. O perseguidor de minha adolescência se materializava ali, na minha frente, olhando para o vão das minhas pernas em saia jeans, pelo espelhinho. Tremi.
Durante todo o trajeto Per manteve-se praticamente em silêncio, respondendo monossilabicamente às perguntas feitas pela irmã. Quando chegamos ao meu destino, ele sai do carro e me ajuda a carregar a mala. Foi quando percebi que sim, ele lembrava de mim.