29.12.09

A Lei, o Lucky e a TV Globo

Você só percebe a partícula humana existente dentro de alguns indivíduos às vésperas das festas de fim de ano. Porque sujeito pode ser o maior pau no cu da paróquia durante os 11 meses, mas basta chegar dezembro pro cara lembrar que tem família, pai e mãe, irmãos ou um peixinho solitário que necessita de carinhos. Aí é um corre-corre dos infernos, compra de passagem, presentinhos e bibelôs mimosos para os mais chegados. Gasta-se dinheiro, energia, acumulam-se dívidas, adquire-se algumas dores de cabeça, mas... e daí? O sujeito comprovou-se humano, e não um andróide do mal.
Caso de nossa heroína suprema, Charlotte C., que a despeito de todas as estripulias e travessuras aplicadas aos próximos, de janeiro a novembro, torna-se uma santa na ocasião natalina. Porque é o momento do ano em que a morena volta pra casa. Sim, senhores, nossa brejeira paulistana tem familiares na Terra da Garoa, e os ama. Ama tanto que suporta 12 suarentas horas dentro do buzão só para abraçá-los, comer lentilha e pão de mel, embolsar algum e trotar para casa correndo ("mais de três dias junto da família e já começa a feder", costuma dizer).
Foi assim que no dia 24 de dezembro a endiabrada dos cabelos escovados permanentemente deu às caras em um enxameado terminal Tietê. Faceira com a chegada e com a temperatura agradável naquela chuvosa Londres tupiniquim (Londres com alagamentos e enchentes, claro), Charlotte sartou de banda, malinha à tiracolo, e tratou logo logo de puxar um Lucky Strike, que ela não é boba nem nada. "Não fumo em casa, boba. Meus pais não sabem. Fumo há 16 anos e meus pais não sabem", confidenciou-me, lika rebel teenager.
Pois bem. O que Charlotte não esperava era a Lei. Sim, a Lei que mudou a vida dos boêmios paulistanos. Que se para nós aqui a leizinha antifumo não fede nem cheira (basta esperar o badalar da meia-noite pra acender o primeiro de vários), em São Paulo as coisas mostraram-se diferentes. "Ao descer, dei de cara com um placão falando da tal da lei antifumo. Ok, já deu medinho. Mas decidi ignorar. Procurei um cantinho afastado e acendi unzão", contou a beldade, complementando que chupou o dito com tanta volúpia e frissón que o mesmo mal durou um minutinho. "Estava há doze hora sem fumar, o que você quer?".
Mas, ao contrário de nossa pacata e complacente Shark city, em Sampa a lei impera e se faz ser cumprida. "Já me preparava pra acender outro - o primeiro nem tinha matado o bicho - quando percebo pessoas me olhando. ESCANDALIZADAS. Sim, agora é crime fumar e eu me senti uma marginal, uma pecadora, messalina, devassa, vândala dos infernos. Um homem puxou do celular e passou a dialogar, apontando para mim. Por via das dúvidas, apaguei o cigarro ainda na metade", disse a morena.
A moça escapou da saia justa com a chegada de seus pais, que vieram recepcioná-la com flores, faixas e cartazes de boas-vindas. A chegada de Charlotte C. em M'Boi Mirim, onde reside, é sempre motivo para muita comemoração por parte da comunidadji. Na segunda-feira, no entanto, Charlotte já se encontrava firme e forte no Tietezão, abanando o lencinho branco em despedida aos seus, com uma mala extra para acomodar todos os mimos adquiridos. A boca SECA para uma pitada básica.
"Foi só a mãe virar as costas e eu nem pensei: puxei um Lucky e acendi, sorvendo-o com delícia". Muitos minutos depois é que a moça foi perceber a presença de uma equipe da Globo zanzando pelo terminal, "materiazinha básica de gente que vai e que vem, sabe como é", relatou-nos a jornalista, expert em mídias impressa, falada, televisionada, eletrônica e digital.
Não é nada, não é nada, algumas horas depois, quando a jovem senhôura esticava as pernas em Registro, toca o telefone. Mamã. Sim, Charlotte C. foi exibida em rede nacional para o mundo inteiro ver, na telinha da Grobo, fumando um cigarrão enquanto revirava os olhinhos de prazer. Seu segredo de 16 anos havia sido descoberto.

10.12.09

Cera quente, suor e lágrimas

Ah, a incrivelmente árdua missão de ser mulher... Ter que batalhar de igual pra igual com as encantadoras criaturas do sexo masculino, ter que falar grosso, socar a mesa, coçar o saco, se impôr, mas tudo com a delicadeza de uma bailarina russa. E com o aspecto o mais semelhante possível ao de uma bailarina russa.
Nós, mulheres, não podemos ter cabelos brancos. Quilos a mais. Pele ruim. Odores desagradáveis (bom, ninguém deveria ter odores desagradáveis). Não podemos andar por aí com unhas descascadas nem com pêlos em profusão debaixo do braço.
Uma amiga costumava maldizer o momento em que as fêmeas resolveram pôr as manguinhas de fora e queimar sutiãs: o princípio do fim. Sim, porque antes éramos bonecas de porcelana protegidas dentro da segurança do lar e amparadas pelo provedor-mor, o marido, este sim um ser (naquela época) ultra-valorizado. Quando precisávamos retocar as raízes no coiffeur de nossa predileção, bastava bancar a Jane Jetson e esticar a mãozinha que o esposo generosamente depositava aquela quantia suficiente para limparmos as taturanas chamadas de sobrancelhas e desfilarmos com as pernas lisas e macias como as de um bebê recém-nascido.
Hoje, para estarmos belas, frescas e joviais, precisamos reservar uma parte considerável de nossos provimentos para estes gastos considerados "supérfluos" pela macharada de plantão - que pode até não notar, mas evidentemente aprova o resultado: apareça na frente dele com as virilhas enxameadas de inconvenientes pelos pubianos, pra ver só...
Além de gastarmos rios de dinheiro, há o sofrimento, este aspecto não-variável da busca infinita pela boniteza. Pois bem, meninas. Hoje me submeti a uma daquelas torturantes sessões de depilação "íntima" pós-inverno, só imaginem... Ou não.
Não bastassem a dor e as lágrimas, que me fizeram andar a Tubalcain inteira com as pernas ligeiramente abertas, há o constrangimento. Porque, ah, senhoras e senhoras, consulta ao ginecologista é água com açúcar perto de uma vigorosa sessão de depilação. Sim. A sádic... ops, a profissional te vira do avesso, te abre, te escancara, te faz sangrar, gemer e ulular - e tudo absolutamente sem qualquer espécie de conotação sexual. O talquinho salpicado ligeiramente nas partes, no momento pós-tortura chinesa, é um bálsamo colhido no Éden.
Sofremos, pois. Tudo para ficarmos dignas, limpinhas e perfumadas. E enquanto ajeito a lingerie que simplesmente colou na virilha esquerda (restos de cera, povo), marco na minha nova agenda a data do próximo martírio, em fevereiro.