27.7.09

Foot Spa e o ralador de cenoura


Quis o destino, este irônico contumaz, que a escritorinha aqui fosse parar, por alguns (e bons) anos, na residência de sua mais ilustre consanguínea, Madame Louise. Vivendo e aprendendo, caros amigos, e só assim mesmo para descobrirmos coisas fascinantes a respeito da vida, da morte e de tudo o que há neste meio. Foi com Madame que aprendi a dar as ordens exatas à empregada para que esta não lavasse minhas roupas de baixo e meus vestidos de noite a seco, para que ela (a empregada) não perdesse o ponto do suflê de salmão e para que não confundisse o Chardonnay com o Merlot, na hora do jantar. Foi com Madame que também aprendi a ser econômica (entre um sovina e um perdulário, case com o primeiro e seja a amante do segundo, recomendava-me); prendada (é só saber os endereços certos: da boa costureira, da quituteira de mão cheia, da faxineira eficiente); e caprichosa com minhas próprias vontades (Quer comprar aquela roupa? Compre! Mulher tem que andar bem arrumada, sempre. E ponha um brinco maior!, recomendava-me).
Nesta busca incessante pela beleza, fui presenteada com os mais valiosos conselhos, que me fizeram detentora das chaves dos portões do frescor e da juventude eternos (hehehe, vide post anterior, para notar a controvérsia). E se Mada
me nada num mar sem fim de dinheiro, sabe muito bem como preservar sua fortuna pessoal usando e abusando de recursos caseiros para manter-se sempre enxuta e gostosa pra caralho. "Quando o shampoo estiver no finalzinho, mistura com água. Rende e faz bastante espuma. Com o perfume também dá pra fazer isso. Se o baton estiver acabando, cutuca o resto com um cotonete, dá pra passar mais um monte de vezes. Com o esmalte, é só jogar um tantinho de acetona dentro que ele vira novo". Sabedoria, caros, não tem preço.
Num belo dia, levo um namorado para jantar nas
luxuosas dependências de Madame. Querendo mostrar meu lado mulherzinha-dona do lar, empunho o aventalzinho e, colher de madeira a postos, assumo o fogão. Para acompanhar a pasta que preparava com tanto carinho, decidi fazer uma requintada salada, e lá vai procurar um ralador para desfiar a cenoura.
Após o delicioso rega-bofe, o namorado segue até a pérgula da piscina de Madame desfrutar de um bom Marlboro quando se depara com uma c
ena memorável: Madame friccionava, com muito vigor, seus delicados calcanhares nada mais nada menos com o RALADOR da minha cenoura, nesta hora já devidamente degustada. O bofe achou estranho, mas preferimos não comentar o incidente. Como já disse, receitas caseiras para preservar a beleza feminina são o ponto forte de Madame Louise, e quem somos nós para discutir.

...

Muito tempo se passou e a escritorinha aqui tornou-se uma mulher de posses (hahahaha, agora vem a ficção). Zapeando pelo mundo mágico da TV, deparo-me com o anúncio do Foot Spa Ultimate, "mais uma exclusividade Polishop".
Foot Spa é a maravilha do mundo moderno. Uma verdadeira pedicure em casa, ao alcance de qualquer mãozinha inexperiente no manejo de lixas e alicates. Foot Spa, uma banheirinha para os pés, oferece "cinco sessões de relaxamento, pedra pome especial, limpa e massageia, alivia tensões, oferece bolhas relaxantes (???) e é considerado um pedicuro inteligente", olha que coisa linda de Deus.
Com a carteira recheada das mais verdinhas,
mando ver o aparelhinho requintado e presenteio minha querida tia e mentora, que se alegra com o regalo, deixando os pezinhos de molho quase que imediatamente. Vou-me embora feliz, na certeza de ter satisfeito mais um capricho da sofisticada Madame.
Uma semana depois, em visita surpresa, flagro Madame a lixar os pés vorazmente com, ora, vejam só, o ralador de cenoura. Alguns hábitos são simplesmente impossíveis de serem abandonados. Vai um parmesão aí?



Panela velha

Não é fácil retomar a prática na arte da paquera. Também não é moleza para jovens senhôuras recentemente solteiras encontrar perfis minimamente encaixáveis no modelito “futuro marido”. Aí dá-se início a uma série de erros: demos ouvidos a amigos, seguimos conselhos duvidosos ao pé da letra, aceitamos até um blind date com o primo solteirão daquele casal de conhecidos, cujo apelido é Milium e cuja ficha policial é mais extensa do que seu curriculum vitae.
Cinara bem que tentou ignorar o assédio virtual. Solteira, mas digna, jamais adicionava perfis de desconhecidos no Orkut e desprezava solenemente convites para o messenger vindo de estranhos. Dia desses e ela simplesmente dispensou o próprio chefe por conta de seu endereço de email duvidoso - com asteriscos, underlines e letras repetidas. Um amigo - tão solteirão quanto a própria - xingou: "Qual é o grande problema de adicionar alguém no msn? Se não gostar da conversa, é só bloquear", aconselhou o sábio.
Em princípio a moça não levou o papo a sério, mas aquela dúvida corroeu seu coraçãozinho: e se eu dispenso o cara que poderia vir a ser minha alma gêmea virtual? É de se pensar...
Até que surgiu um convite: rafaelsobrenomecertinhosemmiguxês@hotmail. É a minha deixa, pensou a moça, adicionando o rapaz à sua lista de contatos.
No sábado, o mocinho dá o ar da graça: "Oi, gatinha? Vc tc de onde?". Ela já não gostou de tanta abreviação. Mas continuou firme: SC. Rafael falava da Bahia. Do interior da Bahia. Beeeem interior. Céus, como este Brasil é pequeno.
Papo vai, papo vem e nossa heroína já havia descartado o baianinho como seu futuro namorado quando resolve perguntar a idade - é, foi ela quem começou. "21", conta o menino, candidamente. A balzaca ri, e decidi ser honesta quando é questionada. "30", diz.
Foi quando veio o primeiro banho de água fria: "Não dá nada. Eu gosto mesmo é das coroas", o guri teve a audácia. Coroas. COROAS. Co-ro-as.
A enfurecida mulher de 30 sobe nas tamancas, mas resolve manter a classe e a elegância que lhe são marca registrada: "Coroooooa? Nossa, você pegou pesado". E ele fecha a conversa com chave de ouro: "Panela velha é que faz comida boa. Me adiciona no Orkut, GATINHA".
Depois de correr pro banheiro dar aquela vomitada, e bloquear o inconveniente com força, nossa pequena deusa do amor foi retocar o creme antirrugas.

16.7.09

Alice e a solidão eterna

O fato é que nesta vida ninguém quer ser sozinho - pelo menos não a vida inteira. As pessoas querem se apaixonar, querem ser amadas, querem romance, flores, cineminha, sexo a qualquer hora do dia. Os mais afoitos exigem aliança, véu, grinalda, bolo com os noivinhos on top. Os mais sossegados querem companhia, alguém para enxugar os pratos e rir junto assistindo a uma maratona de Scrubs. Os ardentes querem, pelo menos, o "homem da manutenção" (ou a mulher, depende do caso), para aquelas horas em que a solidão parece tão avassaladora. Os tradicionais querem perpetuar a espécie e povoar o mundo com seus pequenos clones.
Mas Alice não teve nada disso. Nada. Alice nunca foi beijada. Alice nunca deu uns malhos, tirou um sarro, desceu na boquinha da garrafa, nunca sequer pegou na mão de algum jovem mancebo.
O tempo foi passando e os irmãos de Alice foram se acasalando e reproduzindo, deixando a pobre solteirona para o caritó, cercada de sobrinhos fofinhos e sorridentes. Mas ela não aceitou tão facilmente esta condição. A solidão tornou-a amarga, anti-social, e aos poucos ela foi se afastando do mundinho familiar que a cercava.
Aos 80 e tantos anos, Alice foi encontrada morta, em sua residência, onde morava, é claro, sozinha - apesar das tentativas dos irmãos de contratar uma governanta, a velha senhora, sempre ríspida e cruel, tratava de espantar toda e qualquer candidata ao cargo de acompanhante. Nem um gato, sequer um cachorro havia para alertar a vizinhança ou mesmo devorar seus restos mortais.
Com o evento do passamento de Alice, a enorme família reuniu-se, irmãos, primos e sobrinhos vindos de todos os recantos catarinenses. Mais do que uma despedida, o velório tornou-se uma festa. Reencontros, zilhões de fofocas postas em dia, telefones e endereços trocados para futuras visitas. Na missa, o clima era de Carnaval. Risadas descontroladas, histórias divertidas sendo relatadas nos mínimos detalhes, segredos outrora inconfessáveis sendo agora postos às claras. Alegria, alegria.
Todos rumavam abraçados para fora da igreja, alguns combinando um café na casa mais próxima, quando o padre, também ele contente por reencontrar velhos conhecidos, lembra de um detalhe: "Acho que estamos esquecendo de algo".
Era o caixão, que jazia, solitário, no altar. No enterro, nenhuma lágrima foi derramada.

14.7.09

Cinderela e as CGs assassinas

A moça não andava com sorte, ultimamente. Há pouco menos de um ano havia sido arremessada do veículo de seu motoboy favorito, voando sobre um carro e esborrachando em plena beira-mar (é, Charlotte, tem motoboy na história, mas hoje o conto não é sobre a senhorita, sorry). Na semana passada a globeleza mais manezinha ever, integrante da Unidos da Coloninha ("Nasci na comunidadji", conta, orgulhosa), rumava célere para o trabalho quando, ao atravessar uma movimentadíssima Gama D'Eça, do alto de seus saltinhos berinjela, foi colhida, já na calçada, por uma outra motocicleta (como diria Davis, "o que que o pobre passa?"). É, poderia ser um dos importados que invadiram a querida Ilha da Magia, mas os incidentes de Rubinha têm paixão por CGs turbinadas.

O voo foi longo e doloroso. "Quase batsi de cabeça na quina da eshcada", relatava, detalhista ao extremo. Curiosos foram se aproximando e a vítima ainda conseguia ouvir, esticadinha na calçada, como estava, comentários do tipo: "Ah, só pode ter morrido". Não morreu não, que seu santo é bombado. Foi carregada ao hospital e, meia hora depois, rumou novamente (e um tanto mais cuidadosa) ao trabalho, que Rúbia não faz corpo mole jamás.

O fato é que só após o atendimento a moça percebeu que havia perdido um de seus lindos sapatinhos berinjela. Catou uma havaiana qualquer e não se deu por vencida, mas no dia seguinte foi lá bater na frente da crime scene fuçando sarjetas e lixeiras. Perguntou ao porteiro: "Alguém por aí viu um sapatsinho?". Não, ninguém havia visto.

O par desamparado ficou pendurado em sua bancada de trabalho, triunfante, prova cabal de sua resistência às vicissitudes da vida. Quinze dias se passaram e a morenaça mais alisada de Imaruí (hahaha) ainda alimentava uma chaminha de esperança em seu belo coraçãozinho, sonhando em encontrar o calçado desaparecido. Não deu outra: seguindo, sempre no mesmo horário, para cumprir com suas obrigações trabalhistas, foi avidamente chamada pelo porteiro (nesta hora, já amigaço íntimo): "Ei, moça! Moça! Tu não ésh a moça atropelada pela moto? Então, achamos teu sapatinho!!!".

Ipi, ipi, urras de felicidade, abracinhos e lágrimas furtivas. O berinjela afivelado repousava, calmamente, sobre uma árvore. Sabe lá Deus como chegou lá em cima.