16.7.09

Alice e a solidão eterna

O fato é que nesta vida ninguém quer ser sozinho - pelo menos não a vida inteira. As pessoas querem se apaixonar, querem ser amadas, querem romance, flores, cineminha, sexo a qualquer hora do dia. Os mais afoitos exigem aliança, véu, grinalda, bolo com os noivinhos on top. Os mais sossegados querem companhia, alguém para enxugar os pratos e rir junto assistindo a uma maratona de Scrubs. Os ardentes querem, pelo menos, o "homem da manutenção" (ou a mulher, depende do caso), para aquelas horas em que a solidão parece tão avassaladora. Os tradicionais querem perpetuar a espécie e povoar o mundo com seus pequenos clones.
Mas Alice não teve nada disso. Nada. Alice nunca foi beijada. Alice nunca deu uns malhos, tirou um sarro, desceu na boquinha da garrafa, nunca sequer pegou na mão de algum jovem mancebo.
O tempo foi passando e os irmãos de Alice foram se acasalando e reproduzindo, deixando a pobre solteirona para o caritó, cercada de sobrinhos fofinhos e sorridentes. Mas ela não aceitou tão facilmente esta condição. A solidão tornou-a amarga, anti-social, e aos poucos ela foi se afastando do mundinho familiar que a cercava.
Aos 80 e tantos anos, Alice foi encontrada morta, em sua residência, onde morava, é claro, sozinha - apesar das tentativas dos irmãos de contratar uma governanta, a velha senhora, sempre ríspida e cruel, tratava de espantar toda e qualquer candidata ao cargo de acompanhante. Nem um gato, sequer um cachorro havia para alertar a vizinhança ou mesmo devorar seus restos mortais.
Com o evento do passamento de Alice, a enorme família reuniu-se, irmãos, primos e sobrinhos vindos de todos os recantos catarinenses. Mais do que uma despedida, o velório tornou-se uma festa. Reencontros, zilhões de fofocas postas em dia, telefones e endereços trocados para futuras visitas. Na missa, o clima era de Carnaval. Risadas descontroladas, histórias divertidas sendo relatadas nos mínimos detalhes, segredos outrora inconfessáveis sendo agora postos às claras. Alegria, alegria.
Todos rumavam abraçados para fora da igreja, alguns combinando um café na casa mais próxima, quando o padre, também ele contente por reencontrar velhos conhecidos, lembra de um detalhe: "Acho que estamos esquecendo de algo".
Era o caixão, que jazia, solitário, no altar. No enterro, nenhuma lágrima foi derramada.

Um comentário:

Andrea disse...

Lisinhaaaaaaaaaaa
so que nesse velorio eu estava, e teve muitos mais acontecimentossssssss.....depois te conto...