7.4.21

Você conhece Georgina Albuquerque?


Vamos começar uma série aqui no blog As Imediatas com temas que mostram a importância das mulheres em vários segmentos da nossa sociedade. Vamos começar pelas artes, área que tem uma grande dívida com mulheres como Georgina Alburquerque. Ela foi pioneira em várias atividades artísticas, mas passa despercebida pela história apenas pelo fato de ser do sexo feminino. Quem nos apresenta esta personalidade é a especialista em História da Arte, Elisa Silva. Boa leitura!  

Georgina Albuquerque: A Pioneira

Nascida em Taubaté, Georgina (1885-1962) começou a estudar artes com quinze anos, seu primeiro professor foi o italiano Rosalbino Santoro, quando mudou-se para o Rio de Janeiro foi estudar na ENBA (Escola Nacional de Belas Artes) com Henrique Bernardelli.

Nossa artista casou-se em 1906 com Lucílio de Albuquerque com quem dividiu a vida e a carreira, na medida em que ele também era pintor. Lucílio ganhou o prêmio viagem para estudar artes em Paris, então o jovem casal parte para cidade-luz visando concluir seus estudos. Chegando lá Georgina é aprovada em 4º lugar na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, sendo a primeira mulher brasileira a ingressar nesta importante escola, ao mesmo tempo em que frequenta aulas livres no estúdio Julian. Infelizmente, não há registro da sua passagem pelo estúdio Julian, pois os arquivos de ateliês femininos não eram preservados.

Em Paris foi influenciada pela pintura impressionista e, além das pinceladas grandes e soltas, adota uma paleta de cores claras e vibrantes, tal qual os impressionistas europeus. Essa técnica acompanha a artista por toda sua carreira, porém a paleta de cores com o passar do tempo se torna mais escura.

De volta ao Brasil, em 1911, faz sua primeira exposição em nome próprio e a partir deste ponto passa a expor regularmente na exposição geral de belas artes. Antes já tinha exposto seus trabalhos em outras oportunidades, mas como aluna, o que equivale dizer que as conquistas eram atribuídas aos mestres e muitas vezes os nomes das artistas mulheres nem mesmo apareciam.

Após a morte do marido em 1940, Georgina funda em sua casa o museu Lucílio Albuquerque, tornando-se pioneira no ensino de desenho e pintura para crianças. Além disso, passa a dar aulas na ENBA (Escola Nacional de Belas Artes) primeiro como livre-docente, depois como catedrática-interina e, em 1952, torna-se a primeira diretora mulher da ENBA.

Ela também foi a primeira mulher a participar de um júri de pintura, o que consolidou sua posição dentro da academia, seus feitos institucionais são formidáveis, mas o brilhantismo da sua carreira não se limita apenas as questões acadêmicas, sua temática foi inovadora e quebrou paradigmas, pois ela foi a primeira mulher a se aventurar na pintura histórica nacional, área até então exclusivamente masculina.

Em 1922, como parte das comemorações do centenário da independência, Georgina expôs o quadro chamado Sessão do Conselho de Estado, que representa a proclamação da independência como um evento diplomático, cuja personagem principal é a Imperatriz Maria Leopoldina da Áustria.

A cena representada por Georgina é absolutamente diferente dos outros quadros sobre a proclamação da independência, os quais representam cenas de batalhas e um viril D. Pedro I, como podemos ver na pintura do mesmo tema de Pedro Américo, por exemplo. Considerando que a proclamação da independência foi um processo cujas negociações foram de 1821 até 1825, a cena representada por Georgina tem muito mais fundamento histórico do que o quadro de Pedro Américo, apesar de que essa obra é um primor do ponto de vista técnico.

A cena que outorga o protagonismo histórico a Imperatriz Maria Leopoldina não poderia ser concebida em um momento mais oportuno, o ano de 1922 foi marcado pela luta feminina pelo direito ao voto. Neste ano também aconteceu o 1º congresso feminista organizado por Bertha Lutz e a fundação da Federação Brasileira do Progresso Feminino, instituição cujo objetivo era lutar pelos direitos civis e políticos das mulheres.

A autora Ana Paula Cavalcanti Simioni chama atenção ao fato de que a obra de Georgina de Albuquerque surge em um momento histórico-social no qual as mulheres que desejavam seguir a carreira artística enfrentavam dificuldades de gênero. Isso se devia ao caráter excludente do sistema acadêmico, que impedia alunas de frequentarem aulas de desenho e estudo do nu artístico, fase fundamental para a formação da carreira do artista.

Dentro desse contexto, Vicentis defende que a composição de Sessão do Conselho de Estado oferece respaldo à luta feminista pelo reconhecimento do direito da mulher ao voto e à cidadania plena ao retratar, pela primeira vez, uma mulher decidindo os rumos da política do Brasil.

Assim, o quadro não é apenas uma alternativa histórica a cena da proclamação da independência tradicional, ele quebra paradigmas e chama a atenção para importância da mulher na sociedade.

Georgina Albuquerque foi uma grande artista, uma professora de artes renomada, pioneira em vários sentidos e uma mulher fantástica, muitos artistas brasileiros não colecionam os feitos desta notável pintora. Contudo, o papel a ela atribuído nos livros de artes é de impressionista brasileira, sem a notoriedade que muitos artistas inferiores a ela receberam pelo simples fato de serem homens.

 

Elisa Silva, especialista em História da Arte e autora dos livros Paris - Sonho Meu e Paris - uma viagem impressionista

Georgina Albuquerque, Sessão do Conselho de Estado, 1922

Pedro Américo, Independência ou Morte, 1888

Referências bibliográficas

Simioni, Ana Paula Cavalcanti. «Entre convenções e discretas ousadias: Georgina de Albuquerque e a pintura histórica feminina no Brasil»Revista Brasileira de Ciências Sociais: p. 143-144.

Vicentis, Paulo de (2015). «Pintura Histórica no Salão do Centenário da Independência do Brasil». Programa de Pós-graduação em Estudos Culturais da Universidade de São Paulo: 55 – via Universidade de São Paulo.

GEORGINA de Albuquerque. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa21325/georgina-de-albuquerque>. Acesso em: 04 de Abr. 2021. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7





Um comentário:

Unknown disse...

Que delícia ler esse texto, conhecer um pouco mais das lutas e proezas de mulheres que foram gigantes em suas profissões, mas felizmente não tão reconhecidas quanto mereciam. Nossa luta não é de hoje, mas poder ler textos com esse conteúdo mostra sim que estamos avançando!