26.4.10

SMS

Quarta-feira qualquer, 20h30, ela esplanava sobre verbos irregulares em iídiche para seus aluninhos quando o telefone vibra: uma mensagem. Que dizia exatamente assim: "Eh, eu sei bem como eh. Ate agora nao contei pra nenhum dos meus amigos q eu so tenho 3 meses de vida" (sic). Pânico no bairro Dehon. Inconformada com o teor misterioso e trágico da mensagem, e mais inconformada ainda por não conhecer o número do celular remetente, recorreu aos estudantes aplicados para solucionar aquele mistério. "Alguém se enganou e digitou o número errado", foi o veredito. Ok.
Horas depois, já bem instalada em seu flat à beira-rio, recebe outra mensagem. "Isso porque a carine nem sonha q o reinaldo eh o pai do meu filho, ne? (sic)". Do mesmo número misterioso. "Jesus, me chicoteia", pensou nossa heroína predileta.
Depois de detonar um maço e meio de Lucky, a morenaça resolveu deixar para solucionar o mistério no outro dia. Havia coisas mais interessantes para se fazer, como ouvir a potranca da vizinha e seu vigoroso amante contorcerem-se em alto e bom som sob os lençóis.
Mas o que veio, dias depois, deixou Charlotte C. a beira de um ataque de nervos. Confortavelmente sentada no bar de sua predileção, na companhia de um casal amigo, foi contemplada com o seguinte torpedo: “To passando ai daqui apouco. Dou um toque e tu desce” (sic). Aí a situação ficou feia. Ao invés de buscar consolo junto aos amigos, compartilhar suas dores e angústias, a paulistana preferiu calar-se, fingir que não era nada e bóra tocar Skol gelada garganta abaixo. Mas a pulga já estava devidamente encravada em sua nuquinha aveludada.
Despediu-se dos amigos e rumou levemente cambaleante para casa. “Agora vou descobrir quem é o fdp que está me sacaneando”, jurava. Ligou. Foi atendida por uma mulher de voz tão misteriosa quanto o teor das mensagens, totalmente não-identificável. Desligou. Ligou de novo, mais uma vez, a mulher desconhecida. O joguinho durou algum tempo, até ser interrompido pela voz de um homem: “Pô, Charlotte, ainda não descobriu quem é?”, como quem dizia: “Puuutz, é tão óbvio!”. Não, a cheerleader da perspicácia e da desconfiança não conseguiu matar a charada.
Mais um par de dias e ela resolve tentar novamente. Acompanhada da inseparável S., incumbiu a amiga de ciceronear a ligação. “Oi, gostaria de falar com Maria Joaquina”, solicitou S., aterrorizada com a portentosa voz da terrorista virtual. Momentos depois, e mais por desistência dos trotistas, o jogo foi revelado.
Ela tem uma relação complicada com a telefonia celular. Proprietária de dois telefones (cujos números só são obtidos ao custo de muita bajulação), invariavelmente desativa ambos para poder viver sua vidinha na mais absoluta paz, sem chateação de chefe, sem o assédio dos inúmeros pretês, sem a inconveniência dos milhares de amigos que desejam arrancá-la de casa a todo custo. Foi por isso que considerei a morenaça mais polêmica da Acácio Moreira como a vítima perfeita para meu golpe. Meu novo número de celular veio a calhar. Nunca imaginei ser dona de uma voz misteriosa.

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