Tínhamos 16 anos e o mundo conspirava contra nós. Entre os planos de morar juntas na Ilha da Magia, para cursar a faculdade, e o de instalar bombas em pontos estratégicos de Shark, passávamos nossos dias num conversê dos mais produtivos. Nosso hobbie nas inúmeras horas vagas era o de bater perna pelo Centro da cidade e traçar perfis absurdos de pessoas que só conhecíamos de vista, pelo ir e vir da minilópole.
Havia o John Lennon, o Queixo de Tamanco, a Gorda, o Cowboy, o Anão, um outro Anão (que nos infernizava em sala de aula), o Cabeça de Massinha, o Homem dos Dentes de Diamante, os pedrês e as faxis.
E havia ele, um rapaz de aparência pouco notável, olhar levemente psicótico, discos de vinil debaixo do braço e camiseta de banda.
O encontro, praticamente diário, se dava na esquina da Tubalcain com a Patrício Lima e seguia por esta avenida até a rótula do Angeloni (esta é só para quem manja a geografia de Shark).
Como ocorria com frequência, concluí que o rapaz seria o namorado ideal para minha fiel escudeira, Lora W. Para rebater, Lora percebeu que ele cairia como uma luva em meus braços. Até hoje não sabemos quem ele realmente desejava, mas isso é irrelevante.
O moço cravava seus olhos desvairados em nós, nós o encarávamos, falsamente sedutoras, tremendamente sacanas, enquanto nos cutucávamos mutuamente, aos beliscões, dado o impacto de cada um desses encontros explosivos.
Belo dia e nos despedíamos, eu e Lô, bem ali no trevinho bendito: eu seguiria pela Expedicionário e, se desse sorte, pegaria carona na CGzona power de Tio David. Ela seguiria em frente, pela P.L., com destino ao Luluca S., seu endereço residencial, à época.
Enquanto tricotávamos, nosso apaixonado anônimo ia e vinha, vinis do Guns n´Roses no suvacão, sorrizinho besta no cantinho dos lábios.
Lá pela quinta passagem do moço, soa um alarme: este rapaz está nos perseguindo, constatei.
Pânico na Zona Sul. Lora W, sempre chorosinha, verteu copiosas lágrimas de terror. Eu já rolava no chão, de tanto riso e desespero. E o moço firme, indo e vindo, colado no Use Your Illusion.
Nos desvencilhamos, às pressas, após uma brecha dada pelo rapaz, correndo e torcendo, cada uma por si, para não sermos "a eleita" e, consequentemente, "a perseguida".
Depois deste episódio dei-lhe um nome: Perseguidor. Ou Per, para não darmos muita bandeira. Per tornou-se personagem célebre em nosso pacato dia-a-dia e em nossos agitadíssimos fins de semana. Fosse no Barbata, no 7 ou na Sssssíder, em Capiva Under, lá estava ele, sempre solito, a nos observar.
O tempo passou. Quase dez anos depois, voltei a Shark, a procura de um rumo na vida. Fui convidada a passar aquele verão na casa de praia da Madrinha. Sem $ nem para o bus, fiquei na espera de que uma alma caridosa me tirasse daquele calor infernal da cidade, em pleno janeiro. Madrinha mexeu os pauzinhos e arrumou um esquema: "Os filhos da fulana vão passar por aí pra te dar carona". Feito.
Quem abre a porta do carro é uma moça simpática e prestativa. Entro no veículo meio desajeitada, de microssaia jeans (tava calor, pessoas!), e cumprimento o motorista pelo espelho retrovisor.
Com um meneio de cabeça, ele retribui o cumprimento, vi pelos olhos. Aqueles olhos.
Em um segundo quase dez anos passaram voando por mim. Per. O perseguidor de minha adolescência se materializava ali, na minha frente, olhando para o vão das minhas pernas em saia jeans, pelo espelhinho. Tremi.
Durante todo o trajeto Per manteve-se praticamente em silêncio, respondendo monossilabicamente às perguntas feitas pela irmã. Quando chegamos ao meu destino, ele sai do carro e me ajuda a carregar a mala. Foi quando percebi que sim, ele lembrava de mim.
3 comentários:
kkk... não sabia do reencontro!
Háá , e esquecesse do prunks!
Consegui!!
ahahhahahah, nossa demorei meio ano pra lembrar a senha.. :)
Guria, que reencontro!!!! ahhahahah fiquei imaginando ele olhando pela espelho tu no banco de trás.. hahahahhaha
Bjs.
Postar um comentário