30.7.20

O egoísmo desmascarado (ou O Massacre da Quarentena Elétrica)

Você abre sua rede social favorita e lá estão, amigos e conhecidos, brindando com chopinho, viajando pra “ver” o frio, em festinhas animadas, ralando na academia, a programação é extensa. Às vezes usam a máscara, pra mostrar um suposto comprometimento no combate a terrível pandemia que nos assola. Como se bastasse. Outras vezes, nem isso, ligam o foda-se pra geral.

Imagens de aglomeros diversos Brasil afora estão cada vez mais comuns nestes dias tenebrosos. Pra mim, no entanto, é doloroso ver tanta gente pondo-se em risco – e pondo tantas outras pessoas em risco – em troca de algumas horas de entretenimento. É egoísta, é fútil, é constrangedor. E também é perigoso. Fã de filmes de horror, eu inevitavelmente relaciono esta galera com os jovens desavisados divertindo-se no camping de verão enquanto o serial killer se aproxima. Jasons microscópicos invadindo pulmões, aliens chocando seus ovos em órgãos internos, gremilins se multiplicando ad infinitum. Ai, que gente burra, ai, que cansaço. 

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O plot é simples e bem conhecido: um grupo de amigos reunidos em algum lugar isolado se veem subitamente como vítimas indefesas nas mãos de um psicopata imortal com habilidades ninja e o poder da invisibilidade. O cara que alcança um velocista de 100 metros rasos com cinco passadas largas e tranquilas. O sujeito que rasga carne, nervo, músculo e osso como manteiga quente. A criatura que, a despeito de seu porte admirável de mais de 1,90m, consegue se esgueirar para dentro da sua casa e você só vai vê-lo quando o machado descer. É ele, a personificação do Jason Voorhees, cheio do ódio insano em seu coraçãozinho apodrecido. Um covid (sobre)humano.

(Eu fui uma criança weird que trocava qualquer produçãozinha da Disney por uma sessão de Sexta-Feira 13. Também me refestelava com A Hora do Pesadelo e seu Freddy Krueger, luvinha de unhas metálicas pontiagudas a postos para o ataque.)

Existem diversas teorias que apontam os motivos para gostarmos de obras de horror (filmes, séries, livros, enfim). Uma delas defende que gostamos de passar medo porque, quando a situação assustadora acaba, o alívio libera uma grande quantidade de endorfina no cérebro, causando bem-estar. Daí o apreço pelos scary movies. Também porque quando o filme acaba, o perigo já passou (ao contrário das festinhas quarentenárias).

Ao longo dos anos desenvolvi toda uma estratégia pra fugir das garras e das lâminas afiadas dos Jasons da vida real (é sério, até comecei a correr pra isso). Agora percebo que devo incluir mais uma linha de ação na hora de escapar da morte:  manter a maior distância possível dos cloroquiners de plantão. Mais do que um facão desembainhado, é a falta de uma máscara que faz meu coração palpitar de horror, atualmente.

(a arte linda é da artista russa Anastasia Panina) 


15.7.20

Tô p da vida


A gente não tinha internet, smartphone, MTV, nem dinheiro pra comprar discos e revistas. Eram os anos 80 e nossas fontes primárias de cultura pop, música, cinema, celebridades era via rádio e programas de auditório. O Viva a Noite, do finado Gugu, era o ponto alto da semana.

Nós também não tivemos referências familiares muito significativas quando se tratava da área do entretenimento. Quer dizer… mamis me apresentou Hitchcock, Woody Allen e Kubrick, mas na área musical ela era mais Jovem Guarda que Novos Baianos.

Nossos pais - meus e da Kelzinha, prima inseparável - ouviam basicamente missa e sertanejo, nas rádios locais. Sertanejo raiz, lógico, que até hoje levo Tonico e Tinoco, João Mineiro e Marciano e César e Paulinho no coração.
Então veja bem, não me julgue mal. Nós queríamos era rock´n roll, e para preencher este vazio existencial em nossas almas, este desejo pela rebeldia, a contracultura, pelo polêmico e o controverso, nós contávamos com… Roupa Nova, Biquíni Cavadão e Yahoo (procure saber).

Nosso encantamento com as performances da Sandra de Sá e do Fábio Junior beiravam a idolatria. Mas todo nosso amor era reservado ao grupo Dominó.
Como concluímos que Dominó era rock´n roll eu nunca vou descobrir, mas era o que tinha para o momento.

Certa noite de sábado, enquanto dublávamos os gritinhos de “Viva a Noiteeeee” de mr. Liberato, chamaram a atração principal do programa, o Dominó, claro. Urros de histeria. O Afonso, band leader divoso e topetudo, ostentando um mullet de respeito, anunciou música nova. Delírio. Queríamos entrar na televisão, tamanho o furor.

Pois Afonso anunciou seu futuro novo sucesso com pompa e circunstância. Era uma MÚSICA DE PROTESTO, no que minha comunistazinha interior ainda não desabrochada (eu só tinha oito anos) gritou de emoção. A música falava da atual situação do Brasil, das dificuldades, da indignação e do desânimo de seu povo honesto e trabalhador. O título: Tô p da vida.

Aí eles cantaram e nós fizemos um esforço imenso pera absorver de imediato toda aquela letra linda e cheia de significados. A gente só queria saber aquela melodia primorosa de cor, pra cantar a plenos pulmões na sacada, tendo como platéia o Capão Cagado (que é a localidade onde minha prima residia).

Mas é claro que não rolou. Como ficamos desoladas… a música era nova, de um disco novo, e provavelmente ia levar semanas pra começar a tocar na rádio. Dormimos abatidas, mas no outro dia Kelzinha despertou com uma ideia genial em mente: se havia alguém que poderia nos ajudar, esse alguém seria o Geraldo.
O Geraldo era irmão de Kelzinha, jovem adulto de seus 18, 20 anos, vivia nas baladas, bebia e fumava, conhecia o mundo lá fora. É claro que Geraldo saberia a letra inteirinha de tô p da vida.

Esperamos o moço acordar, lá pelo meio dia, e, ansiosas, bloquinho e caneta em mãos, fomos até ele.

“Geraldo, Geraldo, Geraldo, presta atenção, ajuda a gente!”, estrilou kelzinha, frenética.
“Hummmmfff”, bufou o bom vivant, ressaqueadissimo.
“Sério, Geraldo, presta atenção!”, insistia a menina.
“Sai daqui, Kelzinha!”, ele gritou, atirando uma almofada em nossa direção.
“Oooow, mãe!”, Kelzinha apelou para a progenitora dos dois. Sendo ela a caçulinha mimada, foi atendida.
“Geraldo, presta atenção na menina, tadinha!”, ordenou tia Zilda. Suspirando, Geraldo dignou um olhar em nossa direção: “o que é?”
“Geraldo, eu nunca te pedi nada (era mentira), mas a gente PRECISA da letra da nova música do Dominó”, explicou a irmãzinha.
Geraldo resmungou mais um pouco, respirou fundo, mas finalmente pegou o caderninho e começou a escrever.

Risca daqui, rabisca dali, rasura, pensa, volta a escrever. Foram uns quinze minutos da mais pura ansiedade infantil. Em breve, teríamos nas mãos a tão sonhada daquele hino roqueiro com consciência política que ameaça, mas não fala palavrão porque é feio e a família tradicional brasileira reprovaria.

Finalmente, depois de tanta espera, Geraldo repousa a caneta na mesa, suspira mais uma vez e anuncia: “Pronto, terminei”.

Agarramos o bloquinho com as mãozinhas ávidas. Nele, jazia escrito uma única frase: “tô p da vida”.

Corremos amuadas para o quarto, de onde ainda conseguíamos ouvir a gargalhada retumbante daquela alma cruel.

É meio irônico porque hoje levei uns três segundos dando um Google pra conferir a letra de “Na raba toma tapão”. Venci na vida e o céu (e o wifi) são meu limite.



14.7.20

Quanta pressão!

Olá, garota! E aí, curtindo um pouquinho desta loucura toda? Quem está bem normal da cabeça aí levanta a mão. Então, um dia desses fui espairecer um pouco de tudo isso e vi um post no canal Hooponopono no Instagram que me chamou a atenção. Falava dessa coisa louca da nossa sociedade de colocar ordem e idade em tudo, de ter combinado (sem o nosso consentimento) que encontraríamos nossos caminhos profissionais e amorosos aos vinte. (justamente aos vinte, quando ainda nada faz sentido em nossa mente!).
Daí fica a pergunta: por que não descobrir seu caminho apenas aos 30, seu amor aos 40, seu propósito aos 50? Por que um rolo compressor passa em cima das expectativas de cada uma de nós?

Você já viu o filme “Os homens são de Marte...e é pra lá que eu vou”. É engraçadinho, né? E também muito desesperador. Quem já passou por isso entende bem a angústia da personagem vivida por Mônica Martelli.
E sabe o que essa pressa gera? Casamentos nascidos fadados ao fracasso simplesmente pelo fato do relacionamento não ter tido o tempo suficiente de ter amadurecido. O anseio é cumprir o protocolo casamento antes dos 30+ filho. E depois? Bem, o que vem depois é uma vida de vitrine à base de muita sertralina e sorriso no rosto: missão dada, missão cumprida.   

Mas isso também vale para para a profissão. E daí se percebermos que nossa primeira escolha não foi a mais acertada. E daí demorar para perceber outro caminho.  E daí recomeçar? Eu tento buscar uma outra profissão mas não sei bem ainda o que é. Mentira, sei sim. O que dá é um medo absurdo de começar do zero. Na verdade o que eu vejo é muitas mulheres buscando um novo caminho para recomeçar. E o caminho é este mesmo: se dar a este direito. Sempre é hora, sempre é tempo.