26.11.09

Nina ou Um redemoinho em minha vida

Nos meus sonhos mais dourados eu me visualizava bem-sucedida, rica, solteira mas bem amada, dona e proprietária de um apartamento lindo, tendo como companhia constante um gatinho manso e preguiçoso de bigodes espetados, um fã incondicional de uma boa soneca 18 horas por dia. Mas nem tudo acontece do jeito que a gente sonha - o que não é de todo mau, vamos e venhamos.
Aí que me vi entre a cruz e a caldeirinha quando a colega, chorosa, informou-me que seu novo senhorio proibia a presença de animais domésticos no prédio. Desta maneira, teria ela que se livrar da Nina.
A Nina eu conheci desde bebezinho - o que não é grande coisa, visto que ela só tem quatro meses. Costumava visitá-la uma vez por semana, festinhas na cabeça e na barriga por uns dez minutos e só. Encorajada pela cerveja gelada, tomei as dores da amiga e decidi, do alto da minha embriaguez: "Eu fico com a Nina!", disse, enquanto entornava mais um copo. Que decisão impactante, povo...
Trouxe a menina pra casa e, em menos de 12 horas, percebi que não poderia comportar aquele mini diabinho da Tasmânia em meu pequeno apartamento. Tapete, sofá, lençol, chinelo, perfex, esponja, tudo o que ela podia alcançar sofreu alguma consequência digamos que... desagradável.
No segundo dia de convivência eu já estava decidida a repassar a pequenina pra outra família mais paciente. A amiga aborreceu-se, mas prometeu buscar um dono suficientemente desapegado de seus bens para suportar o pequeno serzinho.
Terceiro dia, e eu às turras com Nina, destruidora de lares, Gremlim cruel, monstro devorador de: borracha, madeira, estofados, tecidos, cimento (!), couro e o que vier pela frente. Fim da tarde e toca o telefone. Era minha suposta salvadora, com a notícia redentora: "Arrumei uma dona pra Nina, ela vai te ligar daqui a pouco pra combinar de vir buscá-la".
Desligo o telefone e me vejo afogada numa poça de lágrimas e soluços.
Eu amava a Nina. Sim, eu amava aquele demoniozinho peludo e de presas afiadas que tão inconsequentemente roía meus parcos pertences.
Desespero. A futura dona em potencial ligou. Não atendi. Deixei para resolver esta dura pendência no dia seguinte. No dia seguinte, ela ligou de novo. Não atendi. E tomei a árdua decisão (desta vez pra valer): A Nina é minha e ninguém tasca. Com chinelo destruído, bolsa nova arrebentada e óculos de grife mastigado.
Como explicar um amor assim?
Cuidar da Nina é praticamente um trabalho full time. A bichinha exige atenção, chamegos, brincadeiras, exige seu lugar de honra no sofá e na cama, exige ventilador ligado, água gelada, janela aberta. Exige perfex limpinhos e novinhos para serem destruídos e terem suas entranhas espalhadas pelo sofá. Biscoitos Scooby, ração molinha da lata, água com gás, Activia, vacina cara, tosa e lacinho na cabeça (ok, isso ela não exige, mas achei de bom tom).
Apesar do prejuízo financeiro e do pouco tempo que agora me resta ao longo do dia para o cumprimento de outras atividades "menos relevantes" (como trabalho e diversão, por exemplo), ela tornou-se minha alegriazinha de viver. E como diz minha mãe: "Não tem como a depressão chegar perto com uma coisa assim". É verdade. Por mais que eu me aborreça e me perturbe com acontecimentos da vida, tudo vai por água abaixo ao olhar naqueles olhinhos de jabuticaba madurézima e sentir o poder de seus dentinhos pontiagudos na polpa da minha mão.
Tudo vale a pena por ela. Até mesmo isso:


Haste do óculos de sol e cara de culpada.

Peça do jogo americano colorido.

Pé da Havaiana.

Zíper da bolsa nova-sem-nenhuma-prestação-paga-ainda.

Quina do móvel.

Cenário de destruição.

A boneca da mãe.

3.11.09

Presentes gregos

Todo mundo gosta de ganhar presentes, certo? Não necessariamente... alguns presentes acabam se tornando incrivelmente gregos, e aí, queridos, há muito pouco o que fazer. Não dá pra remediar o estrago quando você presenteia a amiga com aquele seu perfume favorito - mas que para ela tem cheiro de cadáver. Não se tem muito o que fazer quando o amigo secreto olhou torto para aquela calça jeans número 42 - sendo que ele veste 55 e você, é claro, só foi notar tardiamente. Não há nada pior que a cara daquela tia antipática ao abrir seu presente comprado com tanto sacrifício e se deparar com xícaras made in China, com aquele decalque adesivo colado e tudo, sendo que a fina só usa porcelana eslovaca.
Eu, por exemplo, que até ontem me achava um poço de bom gosto e sofisticação, senso e sensibilidade, amarguei horrores com um ex-namorado ultra-exigente. Acho que o pobre nunca ganhou um presente que realmente gostasse de moi aqui (foi por isso que terminamos, não sabiam?). Num Natal fiquei faceira ao comprar, em segredo, um MP3 (dos baratinhos, eu confesso). A cara de raiva que o moço fez quase me fez regurgitar o peru.
Charlotte já passou por situação semelhante - mas como vítima. Nossa querida heroína, ultimamente voltada ao universo acadêmico, esperou ansiosa pelo tão importante Dia do Professor - afinal, era muito provável que rolasse um algo a mais que maçãs importadas do Angeloni. E rolou.
Fim do expediente e a morenaça dos cabelos de fios de aço escovado mais aloprada da paróquia do São Judas Tadeu foi surpreendida pela chefa, na porta de sua sala de aula, enquanto embalava os fichários, boletins e Trabalhos de Conclusão de Curso dos aluninhos. "Oiiii... tem uma surpresa pra ti na minha sala!". Os olhos de Charlotte, que não dispensa nem injeção no baço se for de graça, brilharam alucinadamente de alegria e expectativa. Mas, ao adentrar o recinto da big boss...
"Um beta? Um peixe? É isso mesmo?", retrucou, sempre muito polida e diplomática.
"É. Um peixe. Achei que seria legal pra te fazer companhia, já que tu moras sozinha...", alfinetou a autoridade.
"Mas um peeeeixeeeee??? Eu já tive peixe. Eu mato peixes. Não me dou com peixes. Não quero esse peixe", argumentava Charlotte, tentando discretamente dispensar o mimo.
"Mas guria, você é uma jovem que trabalha na área da educação, disciplinando, educando, preparando. Conviver com um bichinho em casa vai facilitar seu relacionamento com as pessoas".
Charlie pensou em agarrar um machado e decepar o crânio da atrevida, mas fingiu-se convencer e, contendo um resmungo, botou o aquário (daquelas redondos, de 1,99!, contava depois, indignada), debaixo do braço, com o beta vermelhinho dentro, e bóra pra casa comer bolacha.
"Ainda se fosse um azul... o vermelho eu já tive, morreu...". Pobre peixinho vermelho.

O maior espetáculo da Terra?

Até lembro da bolsa que eu usava: uma vermelhinha, linda, onde guardei algum dinheiro para comprar quitutes. Tinha sete anos e foi minha primeira experiência no circo. Não lembro de ter gostado - ou não - mas naquela época o Vostok era O circo e não podíamos desperdiçar a oportunidade. E o maior espetáculo da Terra vinha completo: malabares, equilibristas, mágicos, palhaços anões, leões, tigres, macacos (possivelmente maltratadíssimos, mas ninguém ligava) e até Globo da Morte, experiência traumática pra mim, que não pude com aquele furdunço - deve ser por isso que tenho pavor de ronco de motocicleta, coisa de pobre farofeiro que financia a CG em 42 meses.
Mas havia a proximidade: a casa da avó era ao lado do local onde circos (e parques de diversões - Tupã, invariavelmente) montavam acampamento. E a visitação era permitida, sempre. Anos depois vi uma das cenas mais deprimentes da vida, um elefante acorrentado pela patinha. Digo patinha porque era uma patinha mesmo, difícil reconhecer aquela criaturinha magérrima e sofrida, mais um dog alemão do que o nobre gigante da Savana. E ele chorava. Sobre a pele empoeirada do rosto corria uma lágrima grossa, coisa que me fez soluçar de angústia (sabe-se lá se não era apenas pra lubrificar os olhos). Aí passei a odiar circo com apresentação de animais de todo o coração. Horror, repulsa. E, please, poupem-me dos discursinhos pró-mundo circense, pode-se fazer muito melhor, Cirque du Soleil taí pra confirmar.
Mas aí veio a sobrinha e suas inúmeras vontades. Quando anunciaram que os Backyardigans fariam uma apresentação em minha querida Shark city, não pensei duas vezes em levar a pequena. E esta apresentação, vejam só, era num circo - sem animais, pelo menos.
Mais de vinte anos após minha primeira experiência circense, pude perceber a tão propalada "falência" desta modalidade de entretenimento e
cultura. Os artistas hoje são em número reduzido - e executam tarefas múltiplas. O vendedor de pipocas e algodão doce aparece, minutos depois, dançando no picadeiro, girando no Globo da Morte (maldita CG) e, outra vez, vendendo bugigangas (que certamente é o que garante a sobrevivência da trupe - o comércio de quinquilharias e guloseimas mil).
Para encanto da menina, o palhaço Batatinha (Renato Aragão e Praça É Nossa não sabem o que estão perdendo) surge momentos após sua divertidíssima (not!) apresentação vendendo batatas chips, daquelas encharcadas de óleo re-re-reutilizado.
O engraçado era ver a galerinha - maioria absoluta composta por jovens dos 20 aos 30 - do palhaço à contorcionista, passar faceira vendendo coisinhas e deixando um rastro de marofa pra trás, hahahaha... A vida no circo deve ser curiosíssima.

Mas não se pode negar a magia e o encantamento exercidos pelo circo: meu acompanhante de ocasião, por exemplo, mostrou-se tão deslumbrando com a vida mambembe que se dispôs a largar a dura jornada de jornalista e cair na estrada encarnando o Tyrone e a dança com varas em chamas. "Isso eu sei fazer", garantiu o sujeito.



Tyrone é muito bem tratado no Circo Italiano...